Como sabem, por conhecimento partilhado, sei o quanto o “Vinho de cheiro do Pico” é um elemento importantíssimo na economia familiar de centenas de famílias da nossa ilha e por isso sou um seu defensor acérrimo, seja por motivos culturais, seja por tradição, seja por sentir o que emana com dinamismo da economia do Pico profundo… Acreditem se quiserem.
Há dias, acedendo ao Diário Insular online – edição de 2012.Mar.13 encontrei um interessante e aliás muito bem elaborado artigo, da autoria de J.M. SOARES DE BARCELOS sob o título “uva-de-cheiro”, julgo também que este escritor é o mesmo que publicou a obra: “Dicionário de Falares dos Açores - Vocabulário Regional de Todas as Ilhas”, prefaciada pelo distintíssimo escritor Dr. Cristóvão de Aguiar, há anos a passar “temporadas” na sua casa em S. Miguel Arcanjo na nossa ilha.
Voltemos então ao artigo do qual vou-me socorrer gostosamente, porque de excelente recorte literário e com uma profundidade de análise bem enquadrada na tal nossa tradição e cultura popular. E a dada altura escreve, o que cito com a devida vénia: ”Até há muito pouco tempo, foi desaconselhado, e mesmo proibido, o seu consumo, pela presença de malvina e de álcool metílico. (…)
Os apreciadores de vinho geralmente não gostam do vinho de cheiro, recusando-se mesmo a ingeri-lo. Pessoalmente, sou um apreciador deste vinho, deliciando-me a bebê-lo (se consigo arranjá-lo…) particularmente quando um pratinho de lapas cruas (nós dizemos frescas cá no Pico) com pão de milho. No Continente, a cultura da vinha americana é praticada em maior quantidade no Norte, não só em Trás-os-Montes como no Minho e no Douro Litoral, mas estendendo-se até à Beira Baixa, nomeadamente à região de Oleiros, onde existe em quantidade significativa.
Tal como nos Açores, foi a filoxera (Philoxera vitifoliae) a responsável pela substituição dos vinhedos antigos por estas cepas. E foram por cá ficando, particularmente porque são muito produtivas e pouco tratamento químico exigem. Nos Açores, não aceitando as normas da União Europeia, que proíbe a venda de vinho americano desde 1995, tem havido sempre comercialização deste vinho.
E ainda bem, porque os cientistas têm vindo a pôr em causa os efeitos tóxicos deste vinho, lançando dúvidas sobre os efeitos tóxicos da malvina e relacionando a presença de metanol apenas com a vinificação mal feita – certamente, qualquer dia serão retiradas tais normas. Até porque a proibição da comercialização se devia, de facto, quase tão-só a razões de proteção comercial aos vinhos de castas europeias e não à qualidade do referido vinho.
Em Castelo Branco conheci indivíduos que sempre beberam deste vinho e tornaram-se velhinhos sem qualquer complicação neurológica. Há anos, fiz uma pequena plantação de videiras no quintal da minha casa, com castas de uva de mesa rigorosamente escolhidas, tanto brancas como tintas. Elas desenvolveram-se bem – estamos na Bairrada! -, mas era preciso “seringá-las” quinzenalmente com os antifúngicos adequados.
Mesmo assim, no último ano a cá estarem, cobriram-se de um pó branco, que até metia nojo. E, claro, nada produziram… Do que havia de me lembrar? Mandei buscar às Flores, e enviaram-me de Oleiros, uns bacelos de videira americana, e replantei tudo, particularmente a latada que cobre um dos pátios. Em dois anos cresceram, livres de qualquer doença e, no passado ano, produziram uma quantidade suficiente de uvas para se comer e ainda fazer 10 litros daquele precioso vinho que acompanha as lapas com pão de milho. Pois é… o vinho já ca temos…, venham as lapas, e a vossa presença para o petisco (…)”. Fim de citação.
Como se comprova, não somos só nós a defender há anos que tem existido mais má vontade – diz o articulista que a proibição da comercialização se devia, de facto, quase tão-só a razões de proteção comercial aos vinhos de castas europeias e não à qualidade do referido vinho – do que encontrar-se mais “compreensão” para com todos os agricultores individuais que produzem com gosto, embora com esforço, este vinho do Pico, tão desejado noutras ilhas mas que, por falta de um mínimo de compreensão cultural, são mais os entraves à sua livre circulação no tal, tão propalado “mercado interno”, ao invés de se buscarem “caminhos de ajuda”, que conduzam ao escoar “livre” das centenas de pipas de Vinho do Pico, produzidas anualmente na nossa ilha e que a ilha não consome, acabando ingloriamente nos Alambiques…
Está a caminho uma nova campanha. As podas estão no fim. Em Julho-Agosto já se poderá aquilatar da boa colheita vinícola, da uva-de-cheiro claro. É que estou-me referindo àquelas vinhas da Ponta da Ilha: Ribeirinha até à Calheta e Pontas Negras, Caminho de Baixo e Fonte… para não citar outros núcleos como São João.
Pensem no Vinho do Pico, neste a que me tenho vindo a referir há anos.
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